segunda-feira, junho 20, 2011

Eterna Primavera 74

Há 37 anos, enquanto Elvis cantava em Iowa, eu nascia naquele mesmo dia 20 de junho e, confesso, não foi fácil chegar ao mundo depois de ter sido concebido na primavera de 1973 e ser abandonado pela figura paterna desde então. Enquanto estava eu entre choros, mimos e cabelos louros, a crescer na minha cabeça de neném, lá em nas Minas Gerais, dois homens, já encaminhados em suas trajetórias de vida, encontravam-se pela primeira vez em orações aos seus respectivos pais que passavam por problemas de saúde. Da seqüência de encontros semanais no centro espírita, surgia uma amizade intensa e forte. No pulo do gato de confidências trocadas, um mineiro namoro nasceu, e engatinhava, assim como eu, na alegria daquelas tantas novidades a descobrir.

O tempo foi passando e aqueles anos 70 foram “modernos” e paradoxais comparados com a atualidade. Era da ditadura militar e da liberdade criativa do Dzi Croquettes. Hoje, se compararmos estes “tempos modernos” de outrora, é notável minha percepção que somos uma fração limitada e engessada de nossos próprios preconceitos. Eu, ainda engatinhando e tentando andar nas duas pernas, nem imaginava que uma garotinha humilhava a ditadura em Belo Horizonte e que dois homens lá se apaixonaram.

Paulo e Wanderley construíam uma união que, como eu, na descoberta do mundo, levava tombos, levantava, caia de novo, e tentava novamente até que um dia tomou prumo e não caiu mais. Assim como em qualquer casamento nem tudo foram flores, mas, os desentendimentos, incluindo o ciúme, acabavam cedendo pela transparência, cumplicidade, paciência e dedicação à entrega mútua de se ter alguém próximo em constante carinho.

As memórias daquele inicio dos anos 80 eu guardei. São presentes na minha vida como eram aquele ferrorama, aquela bicicleta monark, o LP do balão mágico e o sítio do pica-pau amarelo. Sempre fui uma criança muito fechada e quando chegava um padrinho ou madrinha me escondia ou fingia dormir.

Naquele tempo, Paulo que era tímido, fechado e não assumido, fez do Wanderley, deslocado e experiente, sua referência comportamental, transformando-se, aceitando-se e assumindo um compromisso sério de relacionamento. Opostos completos que fizeram e ainda fazem das diferenças um exercício de respeito e compreensão para viver a vida juntos por este tempo conjunto.

Fui crescendo meio sem saber o que era a vida e sem ter a esperteza daqueles garotos que viviam a jogar bola enquanto eu estudava sozinho para tirar boas notas. Apaixonei-me por uma garota, tudo platônico, medroso que eu era, nem sabia o que era desejo. Foi meu primeiro amor, mas meu primeiro desejo foi por aquele garoto dos olhos de vênus que me acompanhava na volta da escola.

Nesta época, bem pra lá do triangulo mineiro, Paulo já tinha descoberto em Wanderley, seu primeiro e único namorado, um sentimento maior do que qualquer outra possibilidade, de efêmero desejo, que o mundo pudesse oferecer, e que foi, pouco a pouco, conquistado com o respeito às individualidades em confiança mútua, tanto que, juntos nunca moraram.

Já mais crescido, encontrei um amigo que pelo tempo dele cá na terra eu passei. Um protetor que entrou na minha família como pessoa querida e odiada, pois despertava receio e ciúme, tanto em casa, quanto aos amigos. Nossa amizade foi consolidada desde os oito anos e adentrou ao núcleo familiar tanto quanto o relacionamento entre Paulo e Wanderley irradiou-se para todos a sua volta, das famílias aos colegas de trabalho, criando tanta empatia e integração (inclusão) que fornecera consolidadas estruturas para seu “casamento” não ser efêmero como muito acontece nestes dias e em todos os tipos de relações.

Na roda do tempo me perdi nos livros e nos estudos. Dois vestibulares e passei em ambos, em carreiras distintas. Entre humanas decisões, exata era a noção das minhas possibilidades e, com certo comodismo conformista, acabei escolhendo o curso que trouxe “facilidades informáticas”, não exatamente uma profissão. Talvez um erro a consertar por este tempo que sigo e não desisto!

Tenho um bom exemplo do Paulo que, neto de sicilianos, resolveu, aos 30 anos, fazer História – “As possibilidades de uma releitura da vida e seus valores, isto me fascinou – e fui fazer filosofia para complementar”. Formado em veterinária, sua profissão de fato, hoje dedica seu tempo a trabalhos voluntários em uma ONG ministrando palestras para jovens, com uma abordagem sobre ética e comportamento humano. Apaixonado por Roberto Carlos e Beatle-maníaco, fez de seus ídolos, amores conjuntos com Wanderley, que adotou a História com a profissão de professor e fez do seu blog um canto para poesias, pensamentos e contos que cativam desde a primeira leitura.

Não satisfeito com os rumos não dados a minha formação fui buscar renda para outros vôos. Comecei a trabalhar naquele banco que era sinônimo de boa vida para quem nele adentrava no passado, agora não mais. Não fiquei parado. Investi na minha liberdade e fui morar sozinho em São Paulo. Começava ai a grande revolução. Voltei meu tempo para fazer e acontecer tudo aquilo que tinha deixado para trás e ainda o faço.

Da mesma forma que reconstruo meu caminho, Paulo e Wanderley, já bem à frente nesta rota, souberam percorrê-lo com maestria nas palavras de seu casamento: “Tem-se que ter vontade, perseverança, compromisso, cumplicidade e disposição para a construção minuto a minuto, dia a dia, ano a ano. Saber superar obstáculos, acreditar na possibilidade. Não acho que isto seja tão incomum assim. Temos vários amigos na mesma condição. Não é um processo simples e fácil, mas totalmente possível, e isto vale tanto para o relacionamento homossexual como heterossexual.”*

De uns tempos para cá passei a escrever aqui. Apaixonado por Clarice Lispector, resolvi colocar para fora os sentimentos, emoções e as coisas da vida, de forma lírica, com um toque de sensibilidade e outros temperos poéticos. Bem antes, e já “ligado” com a tecnologia, movimento futuro da vida, Paulo escrevia em blogs para contar a experiência de ter uma vida de casamento gay assumido e declarado que é real. Como não existe receita de vida igual para todos, cada individuo saberá seu caminho e sua vontade. “Quero mostrar que quando se quer e quando se acredita, tudo na vida tem a sua possibilidade”.*

Paulo tem seus 60 e Wanderley seus 61 anos de experiência. Hoje, quando eu completo 37 anos de vida, e eles no caminho dos seus 37 anos de relacionamento, costurei-me em histórias, soltas no tempo, na trajetória do relacionamento deste casal que merece o meu maior respeito por conquistar a plenitude da essência de amar e saber viver intensamente um para o outro.

“Não somos apologistas do AMOR folhetim mas sim do AMOR consciente, construído e vivido no respeito, na cumplicidade, na transparência e nas lidas do dia a dia. Paixão é uma coisa linda mas ela dá e passa. Se ao fim de cada paixão formos buscar outro AMOR não estaremos sabendo o que é o verdadeiro AMOR. Ele na verdade é algo que se constrói minuto a minuto.”*

A gratidão por ter conhecido sua história, e as outras tantas por aqui agora compartilhadas, é imensurável, colaborando, ainda mais, para possa sempre acreditar em sentimentos verdadeiros, ora um pouco acinzentados pela dinâmica das facilidades atuais, mas que volta a se avivar com intensidade para quem acredita e constrói um caminho verdadeiro.

37 aqui, 37 lá. 74 no total. O Ano que começamos eternas primaveras.

Marcelo [Ciello] Poloni

*Citações de Paulo Braccini


e tem mais…

Ps.: Logo abaixo, o áudio de uma entrevista com Paulo Braccini, diretamente do blog [YAG – Na contra-mão]. Agradeço ao Hugo pelo áudio e ao Serginho, com a entrevista do Paulo no Blog [Justo e Digno], que autorizaram a divulgação e uso de seu material aqui disperso em minhas crônicas.



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  Brownstone & Barry White - If you Love Theme by Bangers and Mash

17 comentários:

  1. Linda homenagem ao casal B&W! E lindo entrelaçamento com sua própria história. Parabéns, de novo, aniversariante!

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  2. E eu vou dizer o que? Menino vc me fez derreter aqui ... acho q me meu choro maduro diz tudo. Isto veio em um dia em q eu precisava muito ... Obrigado querido Marcelo.

    Aqui registro tb o meu beijo carinhoso a este querido amigo q do alto de seu 37 anos, já muito nos ensina com seu carinho e sua emoção. Parabéns Marcelo. Felicidades mil.

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  3. Nossa, mas que bela história. Realmente estou emocionado. Há séculos não lia um post tão bom assim. Parabéns, Happy B'day, Felicidades e tudo de bom pra você. XD

    Bjs

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  4. Oi menino
    Feliz aniversário. Que seus dias sejam repletos de alegrias e saúde.
    Bjão

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  5. ops... esqueci de comentar ... esta releitura de Love Theme ficou o máximo ... já baixei ...

    thanks pela dica

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  6. Parabéns, Ciello. Feliz aniversário, lindo texto. Foi legal saber um pouco mais de sua vida e também muito bonito o paralelo com a vida do casal. Tudo de bom!!! Bjs.

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  7. que dizer? não é homenagem, é tributo a esses que nos são mais do que caros...e você o fez com maestria!!!

    aliás: Parabéns! Em tempo ainda? Espero que sim!

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  8. Adorei a homenagem, sem dúvida é um exemplo e tanto para todos nós! Maridão e eu estamos juntos há quase 9 anos!

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  9. São Divos. Parabéns a eles e a você.

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  10. lindo mesmo...

    sempre quiz saber mais sobre o bratz, (lento como sou só fui saber que o elian e o Marida agora).

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  11. Waw, bateu emoção. Primeiro pela forma e pelo que se escreveu. Admiro e gosto do Bratz, mas não conheço o Wanderley, mas sabia da longa relação dos dois porque acompanho sempre o "Enfim, é o que em pra hoje".
    O seu texto tá lindo. Parabéns pelo seu aniversário.
    Tenha muita saúde, amor - como o dos homenageados -, momentos felizes e tão sábios como o que acabou de demonstrar.
    Junior.

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  12. Cara, seus posts são realmente muito legais !!
    Muito legal a história dos dois, muito legal ver que é possível sim !!
    A analogia foi perfeita ! parabéns !!
    E parabéns ao Paulo e ao Wanderlei, que continuem felizes !!
    Abraço Marcelo !!

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  13. Que lindo Ciello! Adoro seus textos e fico feliz com sua emoção exposta, somos a flor da pele.
    Beijão e parabéns atrasado, mas com carinho de sempre!

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  14. que bacana! sensibilidade a mil nos seus 37.
    parabéns! pelo texto, pelo aniversário, pela homenagem, pelo blog!
    Fiquei impressionado!

    grande abraço!
    Dan

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  15. Emocionante!
    Parabéns, meu caro, por seu aniversário e parabéns pela sensibilidade que vc demonstrou ao fazer essa tão merecida homenagem aos "queridos meninos".
    Adorável!
    Seja no mundo hetero ou homo, difícil encontrar um casal que nos inspire tanto a crer no amor verdadeiro, na vida a dois, na generosidade e companheirismo do amor.
    Quanto aos seus 37 anos, aproveite-os ao máximo... essa idade é maravilhosa.
    Beijokas e espero vc pra saborear um chocolate quente comigo.
    Seguindo...

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  16. sou fã do Bratz, do Wanderley, de Clarice, Dzi Croquetes, Elvis e você

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Criar não é imaginação, é correr o grande risco de se ter a realidade. Entender é uma criação, meu único modo. Clarice Lispector.

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